quinta-feira, 23 de outubro de 2008

TRANSTORNO ECONÔMICO BIPOLAR E SEUS TRATAMENTOS

Estamos todos perdidos em relação à atual crise financeira mundial. As bolsas despencam, planos de emergência são feitos pelos governos, as bolsas voltam a subir para no outro dia afundar de novo. E ninguém consegue explicar de maneira convincente as razões das quedas ou das altas. Parece que assistimos a uma gangorra que tem vida própria e caprichos de humor que desconhecemos completamente. Não temos a menor idéia do que esperar, de quais serão as conseqüências da turbulência pela qual passamos.

Os sábios economistas, aqueles que conheciam de cor a fórmula segura para o contínuo desenvolvimento econômico, estão tão atordoados e inseguros sobre o que fazer quanto qualquer pessoa que não entende nada do mercado de capitais.
Mesmo os vários planos e ações lançados por governos de diferentes de países para solucionar a crise soam como tentativas assustadas sem qualquer garantia de sucesso.

Diante das incertezas, da falta de explicações convincentes, são apontados os culpados de sempre: a crise é conseqüência do individualismo e da ganância desenfreada humana, a mesma ganância que está destruindo a natureza e mantendo guerras injustas contra povos indefesos. Para segurar este descontrole, também o remédio é o mesmo do passado: maior presença do Estado na economia, mais fiscalização, mais rigor, mais punição.

Tanto mais verdadeira é a crença no pecado do querer demais como o culpado pelo transtorno econômico atual se levarmos em consideração que a crise teve origem no país visto como o mais ganancioso, arrogante e de menor controle do Estado na vida das pessoas: O Estados Unidos da América. O mesmo país que reluta em seguir as limitações para emissão de poluentes estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto e que invadiu, sem nenhuma razão convincente, o Iraque. E agora a especulação desregulada de seu sistema financeiro poderá causar a recessão da economia mundial. A liberdade dos americanos estaria prejudicando todo o planeta.

Na última grande crise econômica mundial, após a Primeira Guerra Mundial, diante das incertezas e da queda de modelos de segurança anteriores, muitos países fizeram a opção de ser guiados por governos e líderes fortes que prometiam a volta da ordem. Este processo resultou na Segunda Guerra, nos crimes nazistas, na morte de milhões de pessoas e na destruição de vários países. No fim, o grande vitorioso, o país que melhor soube sair da turbulência e orientar uma nova organização mundial, foi justamente aquele que não recorreu às receitas autoritárias do passado. O país que apostou em soluções novas para os conflitos de seu tempo, na liberdade e na capacidade individual de seus cidadãos. Os mesmos EUA que agora são apontados como responsáveis pela decadência mundial.

Após a queda da inimiga União Soviética, os EUA, como única nação hegemônica, parecem ter ficado assustados e perdidos no papel de guia mundial. Tomaram para si a função de botar ordem no planeta, de resolver todos os conflitos. Os americanos acreditavam na capacidade individual de seus compatriotas de se virar mas não demonstraram a mesma crença em relação aos habitantes de outros países. E o lugar de pai mundial, com o tempo, começou a cobrar o seu preço.

Nos últimos anos os americanos têm vestido a roupa de um império decadente. Passaram a se comparar e a reconhecer em si vícios iguais aos que levaram Roma a perder o seu império. Ficaram com vergonha das características que marcaram sua particularidade no mundo. O liberalismo econômico, a confiança na capacidade empreendedora de cada indivíduo na conquista de uma vida melhor , a pouca regulação e presença estatal, o acolhimento de diferentes formas de pensamento, as garantias à liberdade individual. Parece que os americanos se sentem arrependidos disto tudo. A jovem e confiante nação de repente se vê velha e frágil.

Onze de setembro, George Bush e seus auxiliares moralistas e incompetentes, fracassos no Iraque, no Afeganistão e em Israel, aquecimento global, crescimento da direita cristã, os dogmas matemáticos, o convencimento cego de que bastam uma pesquisa quantitativa e uma análise estatística para se encontrar a verdade das coisas, a idiotice do politicamente correto e da literatura de auto-ajuda, Michael Moore, China e outros países anteriormente pobres e atrasados crescendo a taxas vertiginosas. Tudo isto culminando com a perda da liderança no número de medalhas nas últimas olimpíadas. Os americanos chegaram a conclusão que as suas fórmulas não funcionam mais. Não sabem mais apontar os caminhos para o mundo, começam a copiar modelos que preconizam a maior intervenção do Estado contra tudo o que acreditaram no passado. Diante da crise dão um passo para trás. Talvez fosse melhor inventar um forma de seguir caminhando para frente.

O fato de encontrarmos obstáculos pelo caminho, de novos problemas surgirem a cada passo, mostra apenas que nenhuma fórmula é perfeita e definitiva que, por exemplo, o liberalismo econômico não é o fim da história como alguns defenderam. A todo momento é necessário abandonarmos crenças e inventarmos soluções. Por que não descobrir uma maneira de manter a economia andando sem destruir a natureza? Precisamos neste momento de invenções, de criatividade e não de medo, pânico, retrações e recessões. O pior que pode ser feito é ficarmos parados ou recuarmos diante dos nossos desafios.

Clamar por uma maior presença e controle estatal na economia é um retrocesso que só impedirá que ela volte a crescer, prejudicando principalmente os países mais pobres que pareciam estar encontrando um rumo para pôr fim à pobreza como o estilo de vida da maioria de seus habitantes. Na história de humanidade, estados fortes e reguladores só serviram para sustentar a crença na divisão entre privilegiados e deserdados. Temos de abandonar a ilusão de que os governos existem para defender a maioria ou os menos favorecidos. Os governos, principalmente aqueles mais autoritários, só conseguem proteger e enriquecer os pequenos grupos que detêm o poder como nos exemplos da extinta URSS ou de Cuba. O Estado forte sempre foi sinônimo de paralisia econômica e de idéias. E uma acaba por repercutir na outra, como descobrimos nós brasileiros com o crescimento sem divisão do bolo e inconsistente durante o regime militar e como, mais cedo ou mais tarde, descobrirão também os chineses.

Vivemos um época de liberdade sem igual na história da humanidade. Mas estamos correndo o risco de interpretá-la como algo prejudicial, como se a liberdade fosse perigosa para a vida do ser humano no planeta. O problema é que esta liberdade é fruto da falência do mesmo remédio que agora estamos tentando usar para controlá-la: a impossibilidade de uma autoridade, de um outro que saiba e nos garanta a receita do bem-viver.

Temos de parar de interpretar o individualismo ou o fato de queremos sempre uma vida melhor ou diferente como pecado, como egoísmo e ganância. Se não temos um outro poderoso para nos controlar e nos guiar, temos nós mesmos, em nossa solidão, de nos virar. E só assim aprenderemos a ser responsáveis. Talvez, quando desistirmos de vez da crença em uma autoridade infalível, o nosso desamparo nos traga não egoísmo e violência mas solidariedade, fraternidade e amizade.

É possível que crise econômica atual só se resolva se, de alguma forma, os americanos voltarem a acreditar neles mesmos, em sua capacidade de inventar novas maneiras de defender a liberdade individual contra o vencido remédio do Estado forte. Caso isto não ocorra, a saída pode depender de que outras nações consigam cortar a corda com que os americanos carregam todos para baixo. De que outros países apostem na possibilidade de que o seu crescimento independe da recessão americana. Ao se soltar, estes países poderão impulsionar o resto da economia mundial. Se os americanos puxam para baixo é preciso que apareça alguém que puxe para cima.

E quem teria condições para isto? A resposta talvez seja um país marcado pelo entusiasmo e pela confiança. Um país que não se construa a partir da cópia de modelos do passado mas que aprenda com eles e ouse criar soluções novas para o mundo, que saiba desvencilhar o crescimento econômico da poluição ambiental, da necessidade de que outras nações permaneçam na pobreza, do imperialismo bélico ou da massificação de seus habitantes. Um país que renove a possibilidade de que continuemos seguindo com mudanças, inventando e crescendo mesmo sem saber para onde. Uma nação que permita o avanço tecnológico sem associá-lo à destruição, que não faça do desejo de desenvolvimento econômico um pecado.

Que país estaria em condições de atender a este chamado? Qual nação será a nova América, o novo mundo, um lugar que ofereça como primeira experiência para aqueles que chegam a visualização de uma imagem colossal da liberdade? China, Índia, Rússia? Brasil?

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

CANÇÕES DE AMOR

Fazer filmes sobre o amor parece um tanto ousado e arriscado nos dias de hoje. É mais seguro e certo realizar ficções que mostrem a violência, a corrupção e as destruições provocadas pelo ser humano. Obras românticas soam como ilusões velhas, maniqueístas e cafonas.

Não se acredita mais no amor sincero. Existiria sempre um segundo e verdadeiro interesse por trás. Os homens, segundo as mulheres, só querem saber de sexo. Depois que o conseguem, todas as juras anteriores feitas por eles revelam-se mentiras cínicas. As mulheres, para os representantes do sexo masculino, no fundo estão apenas interessadas no dinheiro, no cartão de crédito ou em usufruir o prestígio daqueles por quem elas fingem ter amor.

Segundo esta visão, mais cedo ou mais tarde, aqueles que caírem no conto-do-vigário da paixão vão descobrir a dura verdade: a promessa de amor é sempre uma enganação. E quem se deixar iludir, vai ser usado e se dará mal. Na expectativa de ser traído ou abandonado, vive-se em permanente estado de defesa contra a idéia de se mostrar apaixonado. Se o outro descobre que me entreguei, vai me desprezar e me trocar. Os relacionamentos, então, se transformam em disputas de gato e rato. Só gosto quando não sou gostado, só sou gostado quando não gosto.

Para os descrentes, o convívio amoroso só ocorre por uma praticidade social ou para satisfazer necessidades físicas ou, como está na moda hoje, biológicas e evolutivas.

No mundo em que vivemos não é considerado bom negócio ter qualquer tipo de ilusão. Qualquer ideal, seja ele amoroso, artístico, político ou, como debatido nas últimas semanas, econômico, é visto como uma armadilha destinada a pegar os trouxas. Temos que ter salvaguardas e nos policiar o tempo inteiro. Os idealistas são vistos como tolos antiquados. A verdade que teria sido descoberta, depois de séculos de crendices idiotas, é que o ser humano é vil na sua essência, só funciona civilizadamente sobre pressão e medo. Se a nossa natureza é tão selvagem quanto a dos animais, nós também temos de ser adestrados e condicionados por mecanismos de punição e recompensa.

Voltando ao âmbito dos relacionamentos afetivos, é interessante observar que tanto os idealistas quanto os desacreditados acabam encontrando o mesmo desfecho. Ambos fazem do amor uma impossibilidade, um grande desencontro.

Para os céticos, o amor é uma mentira. Já no modelo idealista romântico, os amantes estão sempre separados por um obstáculo que os impede de realizar seu desejo de viver felizes juntos. Normalmente este encontro fica destinado a ocorrer somente após a morte, na eternidade. O representante clássico deste esquema é o romance de Romeu e Julieta. Mas podemos tomar exemplos mais modernos, como nas sofridas histórias dos filmes Love Story ou do mais recente O Segredo de Brokeback Mountain.

Os dois modelos, romântico e cético, por mais que não se reconheçam, compartilham de um mesmo mecanismo. Ambos acreditam que ideais possam ser verdades, têm fé que suas crenças possam ser uma realidade palpável. Para os românticos, a pessoa amada é a sua cara metade. Já os céticos têm como ideal a crença de que seu par é um animal interessado apenas em perpetuar seus genes.

É provável que Canções de Amor, filme em cartaz no momento, ofereça uma outra opção que não seja a de viver acreditando em um ideal que impeça o encontro amoroso. (Caso considere fundamental para o prazer de assistir a um filme o total desconhecimento de seu enredo, novamente recomendo que se veja o longa antes de ler o texto abaixo)

Nas primeiras cenas do filme, o casal principal vive uma crise comum aos relacionamentos de hoje. Ela quer que ele lhe dê provas de amor e, para provocá-lo em sua frieza, coloca uma outra mulher na história. Não dá muito certo e a moça carente morre inesperadamente sem alcançar o resultado pretendido. O rapaz, então, diante da perda, descobre que amava a parceira. Mas aí já é tarde. Seria mais um exemplo de amor romântico se o filme terminasse aí. Mas ele segue e com algumas surpresas.

O rapaz passa a ser alvo da investida decidida de um garoto que ele conhece por acaso. No começo resiste, faz cortes e recusas, coloca a impossibilidade do relacionamento dar certo em virtude das diferenças entre eles. Depois, diante da insistência do garoto, o mais velho cede e acolhe o seu amor.

Não considero que o mais importante no filme seja o fato de o relacionamento ocorrer entre dois homens. A história trata disto com grande naturalidade, como se não importasse muito o sexo dos personagens. O homossexualismo, pelo preconceito da sociedade, normalmente é apresentado no cinema atual como um obstáculo para a realização plena dos amantes, como no citado O Segredo de Brokeback Mountain. Canções de Amor não segue este caminho.

A diferença que o filme apresenta é a aposta feita pelo personagem do garoto na conquista do amor. Ele não desiste e nem se desencanta diante das negativas constantes do rapaz. Não se envergonha de procurar o seu amado no emprego, em segui-lo pelas ruas, em falar claramente do seu desejo. Ele parece não ter vergonha de desejar, de amar.

Quando recebemos uma recusa amorosa, é comum que fiquemos abalados, com raiva da pessoa desejada e, ao mesmo tempo, com baixa estima e perda de amor próprio. Vestimos facilmente a carapuça de mal-amados. Fazemos do nosso afeto uma carência chata. O garoto do filme soube manter a confiança mesmo levando vários pés na bunda. De alguma forma aprendeu a desvencilhar sua própria imagem do fato de não ter seu desejo correspondido. Quando aparecia um obstáculo, ele inventava uma solução em vez de ficar paralisado diante do problema. Persistindo, conseguiu transformar em realidade o seu sonho amoroso. Não ficou só na expectativa, como os românticos, ou na impossibilidade, como os céticos.

O garoto insistente não esperou pelo príncipe encantado que nunca vem, nem acreditou que seu amado fosse na verdade um sapo. Ele correu atrás, deu seu jeito para que a coisa acontecesse.

É possível que ele acreditasse que a pessoa querida não fosse um ser definido, acabado. Que poderia fazer surgir algo de novo naquele que ele ama. Não tinha a percepção que seu ideal amoroso fosse uma realidade externa pronta, mas algo que dependia do seu investimento, da sua invenção.

Talvez seja este o exemplo mais importante de Canções de Amor. Os ideais podem ser um meio de encontrarmos satisfação, uma ferramenta, e não a própria felicidade, um fim em si. Percebemos com a atitude do garoto que os ideais não são realidades palpáveis esperando pela nossa chegada, mas que eles são invenções nossas. A satisfação pode ser inventada e não descoberta.

Se temos a pessoa amada como um ideal final de felicidade que independe de nós, ficamos na insatisfação e o amor se torna uma escravidão. Mas se sabemos que idealizamos uma pessoa para poder amá-la e ser felizes, o amor é uma libertação.

Paris, em Canções de Amor, é novamente apresentada como uma cidade com vocação romântica. Mas não com uma cara velha. No filme vemos uma capital moderna do mundo globalizado. De forma realista, circulam pelas suas ruas e praças pessoas de diferentes cores, origens e classes econômicas. Não é a cidade glamourosa a que estávamos acostumados a ver no cinema. Não é o lugar em que se passavam histórias de amor idealizadas e muito distantes da nossa realidade. Este era um cinema para sonhar e não para realizar. De maneira diversa, ao sair de Canções de Amor, podemos nos perguntar por que também não viver uma história assim.

Ficamos um pouco decepcionados quando perdemos a esperança do ideal externo. Mas nos tornamos mais livres e ao mesmo tempo mais responsáveis pelo nosso destino. Além disto, como os atores do filme, podemos cantar canções de amor.