quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

AMAR E A IMPOSSIBILDADE DE SER AMADO

O poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Amar, pergunta: Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?

No entanto, parece que a maioria das pessoas vive com outra expectativa: entre as criaturas, ser amada por elas.

Os indivíduos têm como maior objetivo na vida receber o reconhecimento dos outros. Entendem que ser amado é igual a ser reconhecido. Todos os esforços, privações e sofrimentos têm como alvo final receber a recompensa de ser admirado, seja por uma pessoa específica ou pela sociedade.

Por exemplo, mesmo nos grupos terapêuticos que se auto denominam como Mulheres que Amam Demais, com uma observação e uma escuta mais aprofundadas destas mulheres, percebe-se que talvez o nome mais adequado seja Mulheres que Esperam Ser Amadas Demais (se só amassem já estariam tratadas).

No passado, uma pessoa era reconhecida pela sua posição na sociedade, pelos cargos que ocupava na hierarquia social. Hoje as pessoas esperam ser amadas por aquilo que acumularam: a quantidade de dinheiro, os prêmios recebidos, as fotos em revistas de famosos, os amigos no Orkut, quantos convites vips, etc.

Antigamente a possibilidade de ser reconhecido socialmente era para poucos. Só uma pequeníssima minoria tinha acesso às posições admiradas em seu meio. E muitos as recebiam por herança, sem qualquer esforço. A grande maioria se contentava apenas em tentar ser amada por Deus e receber o reconhecimento após a morte, seja no paraíso ou no inferno.

No mundo atual as possibilidades de reconhecimento se democratizaram. A fama pode estar à disposição de todos aqueles que se esforçarem para alcançá-la. Todas as ações visam o olhar dos outros, em bancar uma imagem que possa ser admirada.

Se a satisfação está em ser amado, fica-se sempre fazendo cena para o outro. Deste modo, a pessoa acaba prisioneira de um imaginário, se pergunta qual cena, qual imagem deve apresentar para que o outro a ame. Quais as palavras certas a dizer, quais os comportamentos corretos a adotar. Passa a buscar receitas de como se mostrar, de como aumentar o seu ibope (se pudessem todos contratariam um marqueteiro pessoal). O resultado é que toda a experiência de vida torna-se artificial, fake, empostada. É uma sensação que hoje facilmente se constata, por exemplo, em qualquer entrevista de celebridades na televisão, sejam elas do meio artístico, político ou mesmo intelectual. Não há o compromisso de trazer questões, de tentar dizer algo que se perceba como mais verdadeiro, mais sincero, mas somente de falar aquilo que se supõe que o público deseja ouvir, aquilo que não comprometa a boa imagem. A ousadia e a inovação desapareceram dos meios de comunicação. Mas não é só na TV. Parece que, em qualquer lugar, todos têm uma câmera diante de si, que estão todos no Big Brother. O tempo inteiro as pessoas estão fazendo cena, fazendo pose.

É possível que aqueles que dedicam sua vida ao reconhecimento não consigam experimentar a vida como defende Drummond. Buscam desesperadamente ser amados mas, em troca, renunciam a possibilidade de amar. Ser amado ao preço de não poder amar.

Para amar é preciso estar fora da cena, da armadura de se tentar encontrar uma imagem que possa ser amada e reconhecida. Amar é sinal de que existe uma falha em si e no outro, que não se é perfeito, que se tem buracos, que não se pode vender nem comprar uma imagem ideal para ser venerada. Só ama aquele que percebe o outro e si próprio como incompletos. Amar envolve levar fora, sentir dor, ser ridículo, perder coisas, ficar ciente da solidão.

Amar nunca é uma imagem plena de felicidade. Não se vêem pessoas que amam nas revistas de celebridades. Vêem-se apenas imagens que buscam ser reconhecidas. Amar é ação, é algo que existe enquanto se pratica, uma vivência puramente pessoal que não pode ser fotografada como uma cena idealizada.

Quem já foi a uma festa de lançamento de novela, cheia de famosos, ou passou um final de semana na Ilha de Caras sabe que não existe nada mais artificial e sem graça do que estas experiências. Ao contrário do que possa parecer, do que mostram as revistas, talvez as celebridades tenham vidas muito mais aborrecidas do que a da jovem que mora no morro e sofre com o namorado bêbado e desempregado.

Amar é uma ação sem fim, não visa a um objeto acabado. É uma eterna invenção. Por isto, embora as pessoas possam amar, elas não podem ser amadas, reconhecidas enquanto uma imagem final, pronta e perfeita. Existe uma distância entre a idealização que se faz de alguém e o que esta pessoa é. Ama-se fantasiando, fazendo uma invenção e não encontrando o verdadeiro amor. Esta deve ser a razão de os amantes estarem sempre se surpreendendo com os amados.

Como é comum ouvir que em determinado momento se descobriu que a pessoa antes amada é muito diferente da idealização que se tinha dela. O problema é que, nestas horas, se troca uma fantasia por outra. De príncipe ou princesa, passa-se a perceber o outro como sapo. Mas, no fundo, ninguém é Deus ou diabo. Somos um mistério constante para os outros, uma imagem inacabada.

Mas se não se pode ser amado, se pode provocar amor em alguém. Para isto, somos permanentemente convidados a nos reinventar, a mudar. Se paramos, se nos convencemos de uma imagem, se nos sentimos amados e reconhecidos, deixamos de provocar amor, de demandar invenção. É preciso amar a si próprio e se enxergar também como uma criação sem fim.

Provocar amor não é igual a cobrar e esperar que o outro me ame. Depende de nós e não do outro. Um encontro entre duas pessoas, uma relação amorosa, pode ocorrer quando cada uma consegue provocar amor na outra. Para isto é necessário abandonar a expectativa de ser amado. Trata-se de um paradoxo interessante: Para encontrar o amor de outra pessoa é preciso se convencer da solidão.

Entender que amar é inventar permite fazer uma diferenciação entre celebridades e artistas. A celebridade está sempre atrás do reconhecimento. Já o artista tem como principal objetivo fazer uma obra. O reconhecimento é conseqüência, não a meta primeira. Uma obra é uma demanda de invenção, algo que exige vir ao mundo. Ela usa o artista para ser criada, mas depois torna-se independente dele. Seu uso e apropriação posteriores escapam de qualquer controle de quem as criou. O artista acaba se sentindo usado: a obra é que é reconhecida, não ele.

Para quem se preocupa em ser reconhecido não é bom negócio ser artista. O artista pode até obter reconhecimento, mas sempre posterior a sua criação, muitas vezes após a sua morte. O artista que cria algo que é admirado de imediato pode se encantar e, neste momento, deixa de ser artista. Acredita que encontrou a fórmula certa, pára de criar e passa apenas a se repetir. Nada de novo acrescenta.

Mas qual a vantagem de se dedicar a vida a uma obra, a uma invenção? Quem sabe a possibilidade de amar. De experimentar esta condição que talvez seja a única real, autêntica, que pode tocar o nosso corpo.

Ser amado, reconhecido, é algo que se fica tentando a vida inteira sem se alcançar. É viver para uma ilusão, é viver sem viver. Diante da promessa nunca cumprida de ser bem-amadas, as pessoas acabam se percebendo como mal-amadas. Mesmo as celebridades, com o tempo, são descartadas e esquecidas, perdem a veneração de seus fãs. O público quer sempre imagens novas para alimentar a sua ilusão.

Sentir-se mal-amado, esta é a grande queixa de homens e mulheres. Seria melhor se haver com o fato de que ser amado é uma impossibilidade. Uma criatura só pode amar, só pode criar. E amar é uma ação sem retorno. Versos de Drummond: doação ilimitada a uma completa ingratidão.

Amor sem conta, não há outra saída para os seres humanos. Amar é a característica humana essencial, a nossa maior diferença em relação às outras existências do universo. Ao amar, inventamos um outro amado, inventamos nós mesmos, as coisas, a realidade. Amar é a solução humana para a impossibilidade de ser amado, de tudo conhecer, de conquistar o universo, de vencer a morte. Mas, para amar, temos de saber deste impossível, temos de encará-lo e até mesmo amá-lo. O poeta finaliza: Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

2 comentários:

René Schubert disse...

Bem colocado Marlio,

Atual e pontual como sempre! Parabéns!

Abraços,

Rene S.

Márlio Vilela Nunes disse...

Valeu René, é sempre bom ter vc como leitor. Grande abraço