sábado, 31 de maio de 2008

POR QUE GOSTEI DE SPEED RACER

Tenho poucas lembranças do desenho animado “Speed Racer”, no qual o filme atual com o mesmo título se baseia. Recordo apenas que gostava, que Speed Racer usava lenço no pescoço e que havia corridas de carro tensas. Assistir ao filme não aumentou muito meu repertório de recordações, com exceção do macaco Zequinha. Mas saí do cinema com a gostosa sensação de ter revivido uma alegria perdida na infância.

Não é a mesma sensação de divertimento que brincar em um parque infantil traz ou que um filme para crianças provoca. Acredito que, mais do que para crianças, “Speed Racer" é um filme para adultos. Ao assisti-lo, reencontramos um encantamento que os compromissos de uma vida adulta nos fazem temer e esquecer. E este reencontro pode indicar uma saída para alguns impasses que vivemos hoje.

A cada dia a realidade nos atropela com fatos que nos fazem perder qualquer esperança em relação aos seres humanos. Filhos que matam os pais apenas para receber a herança, pai que mantém a filha encarcerada, por décadas, em um porão, países que invadem outros apenas por interesses econômicos. Como, diante de problemas tão sérios, alguém pode ficar perdendo tempo fazendo filmes bobos e cheios de ilusões infantis como “Speed Racer”? Os seus realizadores, os Irmãos Wachowski, também não vivem em uma sociedade em que a violência aumenta, onde os alimentos estão acabando e a natureza está sendo destruída pela ambição e consumismo humanos? Não percebem que precisamos de sobriedade e muito realismo para lidarmos com estes sérios desafios?

Vivemos em um mundo em que ter fantasias é cafona, um atraso, uma tolice. Geniais, verdadeiras e sinceras são as obras que nos mostram que o ser humano é mau e corrupto em sua essência. Os grandes filmes estão cheios de violência, desonestidade e destruição.

“Speed Racer” vai na contramão do ceticismo. Em um universo lúdico, com a ajuda do irmão Gorducho e do macaco Zequinha, o jovem Speed Racer luta por aquilo em que acredita. Não cede às pressões cínicas, não se vende. Recusa a acreditar que, no fundo, tudo é uma armação, que só os interesses econômicos contam e que todos têm o seu preço. Não teme as ameaças, maior é a sua honra. Segue em frente com o seu desejo, supera os vilões e desesperadamente, perdido em um túnel de cores e luzes, encontra a vitória. Uma das mais bonitas cenas de realização que já vi no cinema.Vibrei junto com Speed Racer.

O filme é ainda mais interessante se o compararmos com a obra anterior dos Irmãos Wachowski, a trilogia “Matrix”. Nela havia o temor diante dos inimigos, os diálogos eram sérios e existia a oposição entre mundo real e mundo virtual. Em “Speed Racer” esta dualidade não existe e parece que os irmãos optaram por escolher o mundo virtual como o vencedor. Se tudo é ficção, perdemos a seriedade e o medo. Podemos brincar, manter as fantasias de criança.

Se tirarmos as ilusões do homem não vamos encontrar em sua essência uma alma boazinha ou vil. Vamos encontrar um vazio. Não precisamos mais, como no passado, de filmes ou livros que nos revelem isto. Hoje, a realidade já supera, em sua crueza, qualquer invenção humana. Uma obra de arte, para ser inovadora, deve nos apontar soluções. De forma surpreendente, em sua infantilidade, “Speed Racer” oferece um caminho. Viva a macaquice.

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