segunda-feira, 9 de junho de 2008

CELEBRIDADES

Nas matérias publicadas pela imprensa sobre o livro O Mago, a biografia do escritor Paulo Coelho escrita pelo jornalista Fernando Morais, um fato me chamou a atenção: o foco de quase todas as reportagens foram as aventuras sexuais do biografado, principalmente aquelas que se acredita menos convencionais, como as suas experiências homossexuais. Quase nada sobre o seu desenvolvimento como escritor ou em relação ao seu método criativo.

Tanto os departamentos de marketing das editoras quanto os profissionais da mídia sabem que destacar os aspectos picantes de uma biografia dá mais ibope. Há que se salientar as transgressões, os vícios e o lado oculto da personalidade para se vender bem.

Se vende mais, é porque supõe-se que seja isto que as pessoas querem saber e consumir. Então, temos uma enorme oferta de livros, revistas, programas de televisão e sites de fofoca. E quem alimenta este gigantesco mercado? Uma criação recente da humanidade: as celebridades.

Podemos tentar definir uma celebridade como alguém que tenha um destaque na imprensa muito maior do que a qualidade do trabalho que realiza. Muitas vezes não sabemos sequer o que a pessoa faz. Mas isto não quer dizer que elas não tenham seu mérito. Seu valor é justamente conseguir ser uma celebridade, oferecer uma imagem que os outros desejam comprar. Muitos tentam ser uma celebridade –talvez esta seja uma das atividades mais disputadas na atualidade- mas poucos conseguem.

Se importa menos a obra que a imagem, a primeira coisa que uma celebridade deve fazer é criar um personagem. Paulo Coelho, por exemplo, é o mago. Nas revistas, o vemos sempre de preto, participando de rituais ou peregrinando por lugares místicos. Depois, como em uma novela, a celebridade deve permitir que acompanhemos pela mídia sua intimidade , que conheçamos sua casa, que saibamos de suas conquistas, de seus romances e, principalmente, de suas dores.

Uma fofoca é essencialmente isto: onde o outro derrapa, quando sua imagem cai. Mais do que a visão de uma vida ideal, cheia de realizações e felicidade, o que esperamos consumir de uma celebridade são as suas desgraças. Adoramos saber dos seus pecados e das suas mentiras. Temos prazer em desmascarar nossos ídolos, em desmistificar nossos mitos.

Algumas celebridades satisfazem esta nossa vontade já no princípio de suas carreiras. Vide as que são constantemente flagradas usando drogas, fazendo barraco ou sendo internadas em clínicas de reabilitação. Outras são perseguidas por repórteres de programas humorísticos que armam, para deleite da audiência, pegadinhas que humilham os famosos. E, de forma mais discreta, temos as celebridades que promovem biografias autorizadas com confissões de pequenos deslizes. Mas logo correm o risco de serem alvo de investigações e revelações não autorizadas que joguem por terra a sua boa imagem.

Não agimos assim porque queremos que pessoas famosas sejam iguais a nós, em nossa imperfeição, ou porque desejamos humanizá-las. Nossa inveja visa, ao contrário, manter a promessa de um mundo ideal. Só podemos manter aquecido o mercado de ídolos se rapidamente substituímos uns pelos outros. Como um telefone celular. Logo, aquele que era o mais moderno, o mais bacana, já mostrou as suas deficiências, já ficou obsoleto. Celebridades devem ser descartáveis. Como não existe uma obra que as sustente, quando, inevitavelmente, a sua imagem despenca, elas acompanham a queda.

Mas este deve ser o preço que as celebridades optam por pagar. Elas preferem o sucesso, mesmo que passageiro, mesmo que por 15 minutos, ainda em vida. Nada de correr o risco de uma obra cujo reconhecimento virá apenas após a morte do autor.

Pode-se dedicar a vida ao esforço inútil de tentar se construir uma imagem que seja reconhecida, amada, pelo outros. Outra opção é entregar-se à invenção de algo que exista para além do corpo de quem o criou. Uma criação que não demanda reconhecimento, mas tentativas sem fim de interpretação. Como uma rocha cujo mistério a razão humana nunca consegue totalmente apreender, explicar. Uma obra sempre prenhe do novo, que permanece e imortaliza aquele que a trouxe ao mundo.

Um biografia, bem ao estilo atual, poderia revelar que Shakespeare tinha taras sexuais, mau hálito e era anti-semita. A imagem que temos dele poderia desabar. Mas a cada apresentação de Noite de Reis, Hamlet ou de A Comédia dos Erros, sua existência será novamente celebrada.

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