segunda-feira, 1 de setembro de 2008

WHO WANTS TO BE A MILLIONAIRE?

A grande promessa da globalização é transformar todas as pessoas que vivem no planeta Terra em consumidores. Os governos são eleitos e cobrados tendo em vista a sua dedicação a este compromisso. E não se trata de uma questão, como até pouco tempo se pensava, de garantir aos cidadãos de cada país as condições mínimas de sobrevivência. Os eleitores demandam de seus governantes que eles encontrem a receita para fazer com que todos sejam ricos. Que qualquer pessoa possa comprar tudo aquilo que quiser. Que não existam barreiras entre mim e o produto pelo qual anseio.

Ser rico não depende mais da vontade divina, de uma determinação que não se pode questionar. O Estado é que ficou encarregado do papel de um pai que nos dará a felicidade monetária. E, ao contrário de Deus, os governantes podem ser cobrados por isto. Podem ser trocados caso não dêem para cada pessoa as condições necessárias para que ela seja uma vencedora, uma abonada.

Tampouco importa a habilidade individual para conseguir ganhar dinheiro. Se não reúno as condições para alcançar o sucesso econômico, é porque tenho uma carência que o Estado deve suprir. Por exemplo, se sou preguiçoso ou pouco criativo, devo ter acesso a um tratamento psiquiátrico para que possa ser ativo e ter idéias brilhantes.

A cada novo levantamento das revistas especializadas em fortunas, aumenta o número de milionários no mundo. Mas enquanto forem alguns e não todos, nossa sociedade será vista como injusta e discriminatória. Por que uns podem mais que outros? A festa tem de ser para todos. Uma democracia de consumo, este é o ideal igualitário dos nossos tempos.

Mas podemos fazer um esforço criativo e imaginar como seria um mundo em que cada um pudesse comprar tudo aquilo que quisesse. Que toda vez que fosse lançado o mais novo modelo de telefone da Apple, o último esportivo da BMW ou a mais bela casa no litoral, bastaria ir até o revendedor mais próximo e buscar o seu exemplar. Que pudéssemos ir a qualquer restaurante e comer o que desejássemos. Viajar e ficar no melhor hotel que encontrássemos. É provável que viver em um mundo assim não tenha a menor graça.

Mesmo que ainda não tenhamos alcançado o maravilhoso planeta do quero logo tenho, a sua perspectiva, aliada ao sonho atual de satisfação e realização pessoal que acompanha a aquisição de produtos, já antecipa alguns efeitos deste mundo aguardado.

Viajar, por exemplo, virou um dos maiores desejos de consumo. Assim, para atender a demanda de uma massa de viajantes, todos os lugares do planeta se converteram em bens de consumo ou mercadorias. A cada dia a legião de turistas loucos para comprar uma paisagem aumenta.

Quem experimentou tirar férias recentemente pôde testemunhar que lugares antes envoltos em um imaginário romântico, como a Itália, se converteram em shopping centers abarrotados de pessoas. Filas enormes para se entrar em qualquer museu ou restaurante, atendentes estressados, engarrafamentos gigantescos, flashes para todo lado que se olhe. Os turistas de massa têm esta característica. Querem ver tudo. Estão sempre apressados e, munidos de seus celulares com câmeras fotográficas ou filmadoras, parecem ansiar por apenas uma coisa: armazenar o máximo possível de imagens. Não estão nem um pouco interessados na contemplação das obras, na experiência de viver os lugares em que se encontram. Mona Lisa é apenas uma paisagem que alguém disse ser importante ver e captar em sua câmera. A entrada da China no mercado de turismo, com seus potenciais centenas de milhões de viajantes, só deve agravar este cenário.

Mesmo os destinos menos visados não estão livres de escapar à massificação. Todos os cantos do planeta foram descobertos e vasculhados, fotografados ou filmados. Não é preciso nem mais sair de casa. Com um computador posso vislumbrar qualquer parte do planeta. Com o desenvolvimento de tecnologias que permitem programas como o Google Earth, poderemos em breve viajar, via satélite, para os lugares mais distantes da Terra e conhecê-los em detalhes.

As diversas culturas que habitam o nosso mundo perderam a sua áurea exótica e misteriosa. Parece que não existem mais culturas autênticas. Quando visitados, sejam moradores da Índia, da Mongólia ou de tribos africanas, todos parecem estar representando a si mesmos. Suas roupas são como fantasias, seus costumes, como uma encenação para os olhos e lentes. Qualquer ponto turístico do planeta ganhou este aspecto de simulacro, de representação. Praga, Veneza, Macau, tudo virou Las Vegas.

E não é uma questão de ir em busca de outras paisagens, desbravar o espaço, vislumbrar outros planetas. Marte, por exemplo, nas recentes imagens enviadas por naves e robôs exploradores, se mostra um lugar sem muita variação, monocromático e com perspectivas previsíveis. É que hoje, com os recursos da computação gráfica, é possível inventar as paisagens mais fantásticas e grandiosas.

A relação entre as pessoas também está perdendo o seu mistério. Nossos ídolos são acompanhados e exibidos imperdoavelmente, dia após dia, em revistas e sites de fofoca. Parecem até alguém da família. Programas Big Brothers e webcams espalhados pelos quatro cantos do planeta colocam ao alcance de qualquer tela a intimidade de terceiros. A divisão entre vida pública e privada deixou de existir. E o acesso às telas está cada vez fácil. Com os novos telefones celulares temos uma tela à mão em os todos os lugares em que estivermos. Podemos nos comunicar com qualquer um, em qualquer país, a qualquer momento. Assim, as pessoas nos soam, a cada dia, mais parecidas, mais banais e sem encanto.

A informação, que antes demandava esforço para ser alcançada (era necessário ler muito, ter dinheiro para isto e poder freqüentar universidades e bibliotecas), hoje está disponível facilmente via internet. Faz-se uma pesquisa em um piscar de olhos. Posso ler o livro que quiser, posso baixar e assistir a qualquer filme, ouvir qualquer música. Na globalização, no mundo em que tudo tem de ser um produto comprável, lugares, pessoas e toda produção cultural viraram qualquer coisa. E qualquer coisa nos aborrece, nos entedia.

Parece que estamos dedicando a nossa vida, governos sendo eleitos, guerras sendo realizadas, estamos matando e morrendo para alcançar algo que facilmente poderíamos perceber como uma promessa falsa de felicidade.

E o que devemos fazer? Colocar restrições ao consumo, defender a volta aos valores espirituais? Defender que as catedrais são mais belas que os shopping centers?

Não acredito que soluções do passado possam ser um bom remédio para lidar com os impasses que enfrentamos. A religião, se decaiu como forma organizadora do mundo, é porque não tem mais as condições necessárias para isto. Voltar ao passado só retardaria o surgimento de soluções eficazes. Depois, se proibimos ou limitamos o consumo, se o colocamos como um pecado, estamos mantendo a crença que consumir é igual a ser feliz. A velha história de que devemos abrir mão de uma cota de felicidade para podermos viver em harmonia. Mas este arranjo não dura muito tempo. As pessoas, na sociedade atual, querem, com todo o direito, ter acesso às felicidades prometidas.

Podemos arriscar deixar as pessoas livres para consumir o que quiserem. Logo, como uma criança empanturrada de chocolate, vamos ter que nos haver com a nossa frustração. Neste momento, sem Deus a quem nos queixar, teremos que nos responsabilizar pelo nosso desejo incompleto.

Acredito que não precisaremos chegar ao planeta devastado ecologicamente, com seus habitantes vivendo em naves espaciais, todos gordos e inativos, cercados por máquinas que atendam a todas as suas vontades, como assistimos recentemente no filme Wall-E. É possível que nosso desejo sempre em aberto nos salve antes.

Porque podemos consumir, ter tudo aquilo que se pode comprar, mas, ainda assim, não vamos ser amados como gostaríamos e, mais cedo ou mais tarde, vamos morrer. Nunca saberemos a fórmula infalível para conquistar o amor do outro e para escapar da morte. E este desconhecido, este impossível, este mistério permanente, evita que possamos transformar tudo e todos em mercadoria, em objetos que se pode adquirir.

E, para a surpresa dos aspirantes a milionários, descobre-se que o amor, esta eternidade passageira que engana a morte, pode ser encontrado quando abandonamos a matemática de perdas e ganhos.

No fim, depois da epidemia consumista e de toda frustração decorrente, talvez nos reste apenas o olhar de alguém ao lado.

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