Pessoas que defendem a lei de restrição ao uso de cigarro em vigor no Estado de São Paulo usam o exemplo de Oswaldo Cruz para argumentar contra os que consideram a nova lei um ato de autoritarismo. Lembram que o admirável médico sanitarista também enfrentou a mesma acusação ao lutar pela obrigatoriedade da vacinação contra a varíola no Rio de Janeiro do início do século passado. Apesar da revolta de parte da população e da imprensa, Oswaldo Cruz conseguiu, com a sua cruzada, eliminar a doença que devastava a cidade.
Pena que este resultado tenha se limitado apenas ao controle da varíola e da febre amarela de então. A população do Rio (e de todo o país), principalmente a parte mais pobre, continuou enfrentando uma gama de moléstias ao viver sob péssimas condições sanitárias e receber humilhantes serviços públicos de saúde e de educação. Décadas depois, talvez para espanto do famoso sanitarista, o mesmo Rio de Janeiro segue infestado de mosquitos que, em vez de febre amarela, transmitem dengue hemorrágica.
A obrigatoriedade de vacinação no passado e a atual lei antifumo são exemplos de como os governos e também boa parcela da população enxergam o povo brasileiro: é dever do Estado Brasileiro civilizar os selvagens habitantes deste país.
Se tem-se a expectativa de que o brasileiro é por natureza irresponsável, cabe a um governo corajoso e que não se deixa contaminar pela baixa índole da população controlar esta tendência incivilizada por meio de leis, fiscalização e punição rigorosas. Somos alvo, então, de iniciativas de governantes que querem passar uma imagem de firmes e atualizados das práticas do primeiro mundo. São lançadas medidas modernizantes isoladas que têm pouco efeito geral sobre a vida das pessoas, mas que servem como um bom marketing para o político em questão.
Assim como um pai que tem a expectativa de que seu filho deve ser bem vigiado para não ser irresponsável acaba por ter um filho realmente irresponsável, um governo que tenha a expectativa de uma população com comportamentos incivilizados termina por formar cidadãos com comportamentos antissociais. Governados, assim como filhos, gostam de seguir a expectativa dos seus mestres, sejam eles pais ou governantes.
E por que o governo do país não muda de expectativa, por que aos poucos não começa a tirar as catracas do metrô, por que não insiste em colocar latas de lixo nas ruas mesmo que inicialmente elas sejam depredadas e por que não oferece serviços públicos de qualidade em vez das precariedades de hoje? Por que não apostar que os cidadãos podem ser responsáveis pela liberdade que têm, por que não passar a confiar na capacidade de convivência das pessoas, de que livres elas podem encontrar um jeito de manter o convívio social?
Queremos ser como a China, um país em que o Estado não dá liberdade para seus cidadãos e que impõe todas as medidas que julga necessárias para a boa convivência? Ter um governo que trata os habitantes como se fossem indivíduos atrasados que precisam ser modernizados (copiando modelos ocidentais) à força? Será que devemos também acreditar que as pessoas do nosso país se tiverem acesso livre à internet e contato com outras ideias que não as do partido oficial podem ser influenciadas e manipuladas por dominadores estrangeiros? Será que o governo chinês acredita que seus cidadãos são todos ingênuos sem capacidade de crítica e de ter decisões próprias? Que pais é este que quer se tornar uma potência mundial, que quer liderar outros países, mas que tem a sua própria população em tão baixa conta?
O Brasil poderia seguir outro rumo. Mostrar que não se muda a vida de um povo reforçando preconceitos em relação a este mesmo povo por meio de práticas de proibição, fiscalização e punição. Há séculos os brasileiros são governados com a expectativa de ser um população incivilizada sem que isto nos trouxesse uma mudança importante em nossa realidade.
Os países nórdicos, como a Dinamarca, foram exemplos de nações que resolveram apostar na responsabilidade de seus cidadãos. Por muito tempo as restrições e vigilâncias foram mínimas. Mas aos poucos, após a chegada de imigrantes, de povos diferentes, têm adotado leis de restrição à liberdade individual. Confiavam em seus habitantes enquanto eles eram homogêneos.
O Brasil poderia tomar a dianteira. Em vez de ficar com a prática provinciana de seguir fórmulas de fora que já sabemos fracassadas, ser o primeiro país a mostrar que se pode confiar em seus cidadãos mesmo eles sendo diferentes, heterogêneos. Seria o melhor e fundamental exemplo de liberdade que este país poderia dar ao mundo em tempos de controle e paranóia.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
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