quarta-feira, 17 de setembro de 2008

NA NATUREZA SELVAGEM OU A LEI DO DESEJO

Muitas pessoas resolvem fazer análise para descobrir o que realmente querem fazer na vida. Esta dúvida pode surgir tanto na juventude, no momento em que se deve escolher uma profissão, ou mais tarde, quando a pessoa descobre-se insatisfeita com a sua atual ocupação.

A partir de determinada época, geralmente depois dos 30 anos, passamos a nos perguntar se teríamos sido mais felizes caso tivéssemos seguido um outro caminho. Diante desta questão, muitos consideram que abriram mão daquilo que na verdade poderia ter lhes trazido a realização para se dedicar a um trabalho escolhido ou mesmo imposto por condições externas. Abdicaram do seu desejo pessoal para cumprir a vontade dos pais, atender uma necessidade econômica ou pelo medo de arriscar algo diferente. Sentem-se frustrados, acreditam que talvez seja tarde para tentar novamente e esperam que, quem sabe, os filhos poderão se realizar por eles. Podem também ficar desanimados e, com o tempo, tornar-se cínicos: a vida é assim mesmo, felicidade não existe, vivemos só para ganhar um dinheirinho para pagar as contas, quem é muito sonhador acaba se dando mal.

Quem assistiu ao filme Na Natureza Selvagem pode ter saído com a impressão descrita acima. Para aqueles que ainda não viram o filme e que preferem fazê-lo sem nada saber do enredo, recomendo que interrompam a leitura deste texto e a retomem depois de ir ao cinema, alugar o DVD ou baixar pela internet.

No filme, um jovem, após terminar a faculdade, abandona a carreira, família e bens para realizar o sonho de viver autenticamente integrado à natureza, sem as opressões que a civilização nos impõe. Para isto empreende uma viagem pelo interior dos EUA com o objetivo final de chegar ao Alasca.

Durante sua jornada, ele conhece várias pessoas que o acolhem e de alguma forma o ajudam na sua caminhada rumo ao norte. Estas pessoas, por sua vez, levam uma vida tediosa e, após conhecerem o rapaz, desenvolvem por ele um forte laço afetivo que lhes devolve a animação. Este jovem, cheio de desejo, contamina os outros na sua busca pela felicidade. Até mesmo sua família, diante da sua ausência, modifica a forma de se relacionar, tornando-se mais unida e tolerante.

Entretanto, o rapaz, após conquistar a vida selvagem no Alasca com que tanto sonhara, não sustenta o seu desejo e se dá mal. No final, sem condições de manter a sobrevivência sozinho, se arrepende, retoma o nome de família que havia renegado e tenta retornar para casa. Mas aí já é tarde, o rigor do inverno o aprisiona, e ele acaba morrendo solitário.

Uma mãe zelosa que assista ao filme poderá dizer: está vendo, pra que querer sair pelo mundo com maluquices na cabeça? O melhor lugar sempre é a segurança e o conforto da casa dos pais.

Percebemos que além de saber o que queremos na vida, qual é o nosso Alasca, o mais difícil é fazer valer a nossa escolha. Talvez, seja melhor deixar esta decisão pra lá, deixar que a vida, ou seja, que os outros nos apontem uma direção. Depois, pelo menos, poderemos ter uma desculpa, ou um culpado, por não termos encontrado satisfação.

Mas podemos tirar algumas lições de Na Natureza Selvagem que não sejam a confirmação da ameaça de que ter desejos é tolo e perigoso.

O Alasca era um ideal. A sua realidade dura era muito distante dos sonhos imaginados pelo jovem desbravador. Esta descoberta vale para qualquer coisa que elegemos como objeto de satisfação, seja uma profissão, um estilo de vida ou um produto de consumo. Toda as vezes em que as conquistamos, descobrimos que existe um espaço entre elas e o que idealizávamos. Em vez de nos frustrarmos e concluir que a felicidade não existe, poderíamos pensar que esta insatisfação permanente é a nossa condição de liberdade, a forma de manter nossas vidas animadas e de encontrar singularidade no mundo.

Se chegamos à conclusão de que determinado objeto é a nossa condição de felicidade, anulamos nossa vida em uma servidão na busca do ser pretendido. Ficamos viciados e o fim de um vício é a destruição do dependente. A sociedade classifica alguns vícios como patológicos, como o causado pelo álcool, mas qualquer coisa que consideremos a resposta definitiva de satisfação tem o mesmo efeito deletério. O problema do protagonista de Na Natureza Selvagem foi ter acreditado que o Alasca seria a sua felicidade.

O jovem pensava que sem a opressão do desejo dos pais, da sociedade e da civilização, encontraria na sua essência selvagem o seu verdadeiro querer. Trata-se de uma convicção antiga, mas muito presente na nossa cultura, de que a civilização castra nossa felicidade, de que devemos aboli-la para nos realizar. Podemos ver os sinais desta crença tanto naqueles que hoje defendem a volta de uma vida mais natural e que vêem como pecado os recursos tecnológicos inventados pela humanidade, como naqueles que cumprem esta expectativa, destruindo o planeta em nome do desenvolvimento econômico. Capitalistas e ecologistas, assim como Bush e Bin Laden, precisam uns dos outros para seguir com as suas verdades. Deveriam perceber que o risco está em eleger uma fórmula, seja ela natureba ou consumista, como resposta para o bem-estar humano. Que tanto o dinheiro quanto a natureza são ideais ilusórios.

É possível que a parte mais importante de Na Natureza Selvagem não seja o seu final, mas sim a aventura empreendida pelo personagem na busca da felicidade. Enquanto não havia alcançado o seu ideal, ele promoveu um encontro feliz que fez vivificar pessoas acomodadas em uma rotina sem alegrias. O seu desejo despertou o desejo alheio. Talvez estas pessoas, após descobrirem o final melancólico do rapaz, pudessem novamente mergulhar no tédio cotidiano.

Muitas vezes percebemos que pessoas ao nosso redor, como familiares, em determinada fase de suas vidas perdem o encanto e o entusiasmo, passando apenas a “tocar a vida”. Com o tempo, desenvolvem um processo de decadência que termina em deterioração física e social. Normalmente tentamos devolver-lhes o ânimo através de conselhos e cobranças. Algumas são diagnosticadas com depressão e tratadas com antidepressivos. Mas tanto bons conselhos quanto substâncias químicas não são suficientes para trazer uma mudança que as revitalize de forma consistente.

O que de melhor poderíamos fazer por estas pessoas é emprestar-lhes o nosso exemplo. Assim como o jovem do filme, poderíamos contaminá-las com o nosso exemplo de entusiasmo. Mas para isto temos que bancar o nosso desejo, sustentá-lo, fazê-lo valer. E qual a maneira de conseguirmos isto?

Talvez se aprendêssemos que o importante não é descobrir o que queremos, como acreditava o personagem do filme, mas que continuemos sempre a querer. Que a resposta para o que desejo seja apenas desejar.

A aposta no desejo nos possibilita seguir em frente. Se, ao contrário, colocamos nossas fichas em um objeto exterior, estaremos sempre nos deparando com a frustração, a insatisfação, a queixa e o desânimo. Mas guiados por um desejo que não tem um objeto final, podemos nos satisfazer com as coisas que vamos conquistando na vida.

Na lógica do sempre desejar, os objetos nunca são entidades estanques, prontas, acabadas. Elas demandam a nossa intervenção, a nossa interpretação, a nossa invenção. Importa mais o que você vai fazer com aquilo que escolheu do que aquilo que escolheu.

A sociedade e os pais não podem, desta maneira, ser vistos como castradores de nosso verdadeiro desejo. O que recebemos deles cabe a nós renovar. Não precisamos abandonar a civilização. Ao contrário, podemos nos utilizar dela como instrumento de nossa realização.

Se escolhemos determinada profissão, seja ela qual for, só teremos sucesso se soubermos que teremos sempre que reinventá-la a cada dia. E não desanimar com as dificuldades que vamos encontrando pelo caminho. Por saber que as coisas não são o ideal que fazemos delas, podemos ler nesta falha um convite para a nossa permanente criatividade. Deixamos de nos perceber como pecadores, como errados, como inferiores para nos entender apenas como desejantes.

Ânimo, assim como as palavras alma e psique, tem como origem a expressão sopro de vida. Desejar pode ser o nosso sopro de vida.

5 comentários:

Rebs disse...

Alguns posts são inquietantes, lembram velhos tempos de autoconhecimento.

JOÃO CARLOS DOMINGUES JÚNIOR disse...

ATE QUANDO VAI A CAPACIDADE DE SUSTENTAR O PROPRIO DESEJO? ASSISTI O FILME POSTERIROMENTE A LEITURA... COMOVENTE A NECESSIDADE DE MARCAR SUA TRAJETORIA, TANTO EM SUA TRAJETORIA QUANTO AS PESSOAS QUE ACOLHERAM ALEX, COMO FILHO... PARECE QUE A TODO MOMENTO ELE NEGA O LUGAR DE "FILHO", BUSCA UM U - TOPOS...

Saga disse...

Texto excelente, bem explicativo, ilustra bem o filme, porém para um blog de psicanálise acredito que faltou uma relação mais clara a conceitos básicos como pulsões, a busca da verdade (como o vidente tirésias do mito de édipo)...essa falta realmente me foi gritante!

de qqr forma parabéns pelo blog, espero ver mais txt sobre outros filme de minha predileção!

Tantz disse...

Olá, concordo com algumas colocações suas sobre a importância de manter-se desejante. Entretanto, não compartilho da sua interpretação acerca do fim do filme. Ele não chega a conquistar a vida selvagem no alasca já que não consegue atravessar o rio que dará acesso ao alasca. Acho também que ele sustentou seu desejo até o fim, não vi nada que indicasse o contrário. Também não percebi arrependimento nem tentativa de retorno para casa. Acho que essas coisas poderiam favorecer uma outra interpretação do filme. Obrigada!

Anônimo disse...

UM filme que ensina vários ensinamentos, e o fato de ele não chegar ao Alasca significa que o que importa é a jornada e não o abjetivo